poema sobre a resistência na época das chuvas 1 resisto numa ânsia de sabores perpétuos é certo chovem balas e a ogiva do silêncio é outro dos meus nomes uso juntar as mãos para que nos dedos a alma se contenha e as aves das monções recuem sobre a morte outra arte é tecer um fio de labirinto que desate o som dos vossos lábios do sabor do meu sangue ainda exposto resguardo-me entretanto como um anjo na impressão da chuva sobre os frutos 2 timor é onde o silêncio é tarde como as chuvas e as balas alienígenas soletram velhos nomes portugueses joão maria antónio e guardam-lhes as sílabas desfeitas nas sepulturas colectivas 3 e por isso percorremos em segredo todos os graus da curvatura da cólera até onde começa o limiar dos mártires e onde os mansos desfraldam gesto a gesto os laboriosos panos da cegueira nós que éramos estranhos num império de sangue e usávamos nas pálpebras absurdas ladainhas a morte cai eis-nos expostos garantam-nos ao menos que morremos nos braços de outros mortos 4 havia então um rio e separava as águas todo o amor era pouco sabíamos da morte pelos livros agora estamos sós nas lunações da ira como árvores despidas pelas chamas no gume do colapso lisboa e tão instante a surda ladainha as balas indicando o auge do rosário mistérios dolorosos timor enquanto a fala arde contra as córneas azedas adivinhas onde fica dili onde é jacarta quem faz naqueles rostos sulcos portugueses como ignorar as ígneas bandeiras havia então um rio e separava os mundos agora alarga a linha do combate onde começa a pátria desejada Carlos Nogueira Fino, 91/12/06