UM ROMANCE DE REGRESSO Vindo do Mundo Perdido, Mau-Máli foi à Missão, por acaso ou a pedido ensinar sua lição, fazer o que em qualquer parte faria como artesão: trabalhar na sua arte de bonecos de latão. Depois, ou por ter gostado desta ou daquela oração, ou por ter-se enamorado de algum Cristo de latão, fosse lá pelo que fosse, Mau-Máli fez-se cristão, dentro e fora baptizou-se, Mau-Máli virou João. E, como João, guardou dentro do seu coração não palavras que escutou mas toda a sua intenção. Pecados mortais e tudo ouviu com muita atenção... mas, guerreiro sobretudo, que lá matar, isso não! Tendo assim acontecido, dada e tomada a lição, voltou ao Mundo Perdido, não Mau-Máli, mas João. E a mulher barlaqueada com Mau-Máli artesão já com outro tinha aramada sua esteira de traição. Um timor que assim se engana sabe a sua obrigação, a que só uma catana pode dar satisfação. Uma adúltera confessa merece tanto perdão como o outro: sem cabeça, o seu crime pagarão. Mas o que Mau-Máli sabe, o que manda a tradição, é coisa que já não cabe na cabeça de João. Poderia esquecer tudo, Cristo, baptismo, oração, mas lembra-se sobretudo que lá matar, isso não! Ora já foi cumprido o seu tempo na Missão, já só no Mundo Perdido há bonecos de latão, não há lugar onde ponha sua vida de artesão. Sem lavar sua vergonha como há-de viver João? Por isso decapitou-se com um só golpe de mão. Mas... João suicidou-se? - Mau-Máli matou João! Leonel Neves (In Memória de Timor-Leste, Pedra Formosa, Edições, Lda, 1997 ISBN 972-8118-15-5)