Lusíada Exilado Nem batalhas nem paz: obscura guerra. Dói-me um país neste país que levo. Sou este povo que a si mesmo se desterra meu nome são três sílabas de trevo. Há nevoeiro em mim. Dentro de abril dezembro. Quem nunca fui é um grito na memória. E há um naufrágio em mim se de quem fui me lembro há uma história por contar na minha história. Trago no rosto a marca do chicote. Cicatrizes as minha condecorações. Nas minhas mãos é que é verdade D. Quixote trago na boca um verso de Camões. Sou este camponês que foi ao mar lavrou as ondas e mondou a espuma e andou achando como a vindimar terra plantada sobre o vento e a bruma. Sou este marinheiro que ficou em terra lavrando a mágoa como se lavrar não fosse mais do que a perdida guerra entre o não ser na terra e o ser no mar. Eu que parti e que fiquei sempre presente eu que tudo mandava e nunca fui senhor eu que ficando estive sempre ausente eu que fui marinheiro sendo lavrador. Eu que fiz Portugal e que o perdi em cada porto onde plantei o meu sinal. Eu que fui descobrir e nunca descobri que o porto por achar ficava em Portugal. Eu que matei roubei eu que não minto se vos disser que fui pirata e ladrão. Eu que fui como Fernão Mendes Pinto o diabo e o deus da minha peregrinação. Eu que só tive restos e migalhas e vi cobiça onde diziam haver fé. Eu que reguei de sangue os campos das batalhas onde morria sem saber porquê. Eu que fundei Lisboa e ando a perdê-la em cada viagem. (Pátria-Penélope bordando à espera.) Eu que já fui Ulisses. (Ai do lusíada: roubaram-lhe Lisboa e a primavera.) Eu que trago no corpo a marca do chicote eu que trago na boca um verso de Camões eu é que sou capaz de ser o D. Quixote que nunca mais confunda moinhos e ladrões. Eu que fiz tudo e nunca tive nada eu que trago nas mãos o meu país eu que sou esta árvore arrancada este lusíada sem pátria em Paris. Eu que não tenho o mar nem Portugal. (E foi meu sangue o vinho meu suor o pão.) Eu que só tenho as lágrimas de sal que me deixou el-rei Sebastião. Lusíada exilado. (E em Portugal: muralhas.) Se eu agora morresse sabia por quê. Venham tormentas e punhais. Quero batalhas. Eu que sou Portugal quero viver de pé. Manuel Alegre