Carta de Amor Para te dizer tão-só que te queria Como se o tempo fosse um sentimento bastava o teu sorriso de um outro dia nesse instante em que fomos um momento. Dizer amor como se fosse proibido entre os meus braços enlaçar-te mais como um livro devorado e nunca lido. Será pecado, amor, amar-te demais? Esperar como se fosse (des) esperar-te, essa certeza de te ter antes de ter. Ensaiar sozinho a nossa arte de fazer amor antes de ser. Adivinhar nos olhos que não vejo a sede dessa boca que não canta e deitar-me ao teu lado como o Tejo aos pés dessa Lisboa que ele encanta. Sentir falta de ti por tu não estares talvez por não saber se tu existes (percorrendo em silêncio esses altares em sacrifícios pagãos de olhos tristes). Ausência, sim. Amor visto por dentro, certezas ao contrário, por estar só. Pesadelo no meu sonho noite adentro quando, ao meu lado, dorme o que não sou. E, afinal, depois o que ficou das noites perdidas à procura de um resto de virtude que passou por nós em co(r)pos de loucura? Apenas mais um corpo que marcou a esperança disfarçada de aventura... (Da estupidez dos dias já estou farto, das noites repetidas já cansado. Mas, afinal, meu Deus, quando é que parto para começar, enfim, este meu fado?) No fim deste caminho de pecados feito de desencontros e de encantos, de palavras e de corpos já usados onde ficamos sós, sempre, entre tantos... Que fique como um dedo a nossa marca e do que foi um beijo o nosso cheiro: Tesouro que não somos. Fique a arca que guarde o que vivemos por inteiro. Fernando Tavares Rodrigues