Soneto Fecham-se os dedos donde corre a esperança, Toldam-se os olhos donde corre a vida. Porquê esperar, porquê, se não se alcança Mais do que a angústia que nos é devida? Antes aproveitar a nossa herança De intenções e palavras proibidas. Antes rirmos do anjo, cuja lança Nos expulsa da terra prometida. Antes sofrer a raiva e o sarcasmo, Antes o olhar que peca, a mão que rouba, O gesto que estrangula, a voz que grita. Antes viver do que morrer no pasmo Do nada que nos surge e nos devora, Do monstro que inventámos e nos fita. José Carlos Ary dos Santos