***************************************************** Preâmbulo Pois é! Isto de publicar um poeminha com alguma regularidade lá vai tendo as suas consequências. A maior parte delas boas, outras, menos que as primeiras, excelentes. É de uma destas últimas que vos venho falar hoje. Alguem reclamou este verão para a s.c.portuguese, com alguma razão, que se publicavam poucos sonetos de Bocage nos Versos de Segunda. Em reposta disse que assim que chegasse a Portugal trataria de corrigir essa falta. Outro alguém, de quem eu não sei mais que um pseudónimo sob o qual assina as suas mensagens, decidiu enviar-me um livro de sonetos de Bocage assim apenas porque sim. A minha surpresa por gesto tão carinhoso ainda não se esgotou e é com profunda gratidão ao sebastiao@aol.com que assina como "D. Sebastiao, o Desejado" que faco hoje uma edição especial de sonetos do Bocage. Abraços Carlos ***************************************************** Proposição das rimas do poeta Incultas produções da mocidade Exponho a vossos olhos, ó leitores: Vede-as com mágoa, vede-as com piedade, Que elas buscam piedade, e não louvores: Ponderai da Fortuna a variedade Nos meus suspiros, lágrimas e amores; Notai dos males seus a imensidade, A curta duração de seus favores: E se entre versos mil de sentimento Encontrardes alguns cuja aparência Indique festival contentamento, Crede, ó mortais, que foram com violência Escritos pela mão do Fingimento, Cantados pela voz da Dependência. Bocage ----------------------------------------------------- O autor aos seus versos Chorosos versos meus desentoados, Sem arte, sem beleza e sem brandura, Urdidos pela mão da Desventura, Pela baça Tristeza envenenados: Vede a luz, não busqueis, desesperados, No mudo esquecimento a sepultura; Se os ditosos vos lerem sem ternura, Ler-vos-ão com ternura os desgraçados: Não vos inspire, ó versos, cobardia Da sátira mordaz o furor louco, Da maldizente voz e tirania: Desculpa tendes, se valeis tão pouco, Que não pode cantar com melodia Um peito de gemer cansado e rouco. Bocage ------------------------------------------------------ O poeta asseteado por amor Ó Céus! Que sinto n'alma! Que tormento! Que repentino frenesi me anseia! Que veneno a ferver de veia em veia Me gasta a vida, me desfaz o alento! Tal era, doce amada, o meu lamento; Eis que esse deus, que em prantos se recreia, Me diz: <>Insano! Eu bem te vi dentre a luz pura De seus olhos travessos, e cum tiro Puni tua sacrílega loucura: >>De morte, por piedade hoje te firo; Vai pois, vai merecer na sepultura À tua linda ingrata algum suspiro.>> Bocage ----------------------------------------------------- A Camões, comparando com os dele os seus próprios infortúnios Camões, grande Camões, quão semelhante Acho teu fado ao meu quando os cotejo! Igual causa nos fez perdendo o Tejo Arrostar co sacrílego gigante: Como tu, junto ao Ganges sussurrante Da penúria cruel no horror me vejo; Como tu, gostos vãos, que em vão desejo, Também carpindo estou, saudoso amante: Lubíbrio, como tu, da sorte dura, Meu fim demando ao Céu, pela certeza De que só terei paz na sepultura: Modelo meu tu és... Mas, ó tristeza!... Se te imito nos transes da ventura, Não te imito nos dons da natureza. Bocage ------------------------------------------------------ Retrato próprio Magro, de olhos azuis, carão moreno, Bem servido de pés, meão na altura, Triste da facha, o mesmo de figura, Nariz alto no meio, e não pequeno. Incapaz de assistir num só terreno, Mais propenso ao furor do que à ternura; Bebendo em níveas mãos por taça escura De zelos infernais letal veneno: Devoto incensador de mil deidades (Digo, de moças mil) num só momento, E somente no altar amando os frades: Eis Bocage, em quem luz algum talento; Saíram dele mesmo estas verdades Num dia em que se achou mais pachorrento. Bocage ------------------------------------------------------